UONDER BAR

Não seria impossível a passagem do escritor francês Antoine Saint-Exupéry, célebre autor do clássico infanto-juvenil “O Pequeno Príncipe” por estas bandas do Atlântico. Pois, nesta cidade havia uma base da empresa aérea em que o mestre foi aviador. A empresa era a francesa Aeropostale, que fazia o correio aéreo entre os continentes América e Europa. Os mais velhos falam da sua passagem por estas terras e a influência deste rincão na composição do seu livro maior. Fala-se da sua admiração pelo por do sol no nosso Rio Grande, pela estrela do nosso forte, e a árvore gigante denominada baobá, citados no seu livro. A chegada do hidroavião do nosso mestre era no nosso rio maior, e, dessa forma, pode-se imaginar a visão espetacular do sol se pondo nas suas águas calmas, como também a vista aérea do forte de cinco pontas formando a figura infantil de uma estrela. Essa visita provavelmente aconteceu, segundo o depoimento de um velho morador da praia em que resido, no início dos anos 30. Ele fala que conheceu o aventureiro francês num dos bares boêmios da área ribeirinha da cidade, onde trabalhou como garçom. O bar era frequentado por muitas pessoas de lugares e de épocas distintas, disse sem cerimônia o meu amigo, que passou a descrever aquele local. A sua denominação era Uonder Bar e ficava numa ponta de terra com os seus fundos para o rio, onde se vislumbrava o por do sol do seu alpendre com muitas mesas. As paredes eram decoradas com quadros de cidades, entre elas Paris, Amsterdã, Nova Iorque, dentre outras. Na parte interna a atmosfera era boêmia e havia apenas uma entrada pela área externa. Ao cruzar aquela porta, entrava-se numa dimensão atemporal envolvida numa névoa composta por fumaça de cigarros, charutos e fluidos lúdicos. Um forte cheiro de bebida dominava o ambiente, e, lá estavam pessoas com diferentes vestimentas falando em muitas línguas. Meu amigo Gerard, o nome da testemunha destes fatos, disse que os frequentadores apareciam após o por do sol e lá permaneciam até o amanhecer quando despareciam misteriosamente. O estranho era que somente poucos fregueses adentravam aquele espaço. Era como se fosse apenas para convidados especiais, aqueles que superaram o espaço e o tempo. Muita gente preferia estar do lado do fora, como se ignorasse o cômodo interno. Aquele era o local em que Gerard trabalhava. O dono do bar se chamava Tyrone e sempre estava junto aos fregueses. Ele era o único a conhecer aquele mistério. Ele recebia tanto os frequentadores da área externa como também aqueles que chegavam e entravam no ambiente mágico. Num dia Gerard foi convidado a trabalhar na parte interna do estabelecimento e foi orientado a apenas trabalhar e não considerar o que acontecia. A surpresa de Gerard foi enorme, naquele ambiente nevoento ele podia observar as pessoas que ali estavam e as atendia prontamente desde que chamado. Tyrone passeava pelas mesas e dava boas vindas aos clientes e oferecia o que havia de melhor no bar. A bebida servida variava da cachaça, uísque, cerveja, gim e absinto. Havia um piano com o seu pianista, um Senhor gordo de cabelos encaracolados que dava um show com musicas de todas as épocas. Gerard fala que alguns frequentadores ilustres ali estiveram e cantaram para a plateia que ia ao êxtase com as canções executadas por cantores geniais. Gerard lembrou um certo Sinatra e um tipo louco chamado Ozzy, cantando acompanhados pelo pianista que falava muito de uma Bella Napoli. Nas mesas estavam escritores, poetas, boêmios e figuras maravilhosas. As mulheres belíssimas saiam dos cartazes de cinema e animavam o salão nas danças e rodas de conversa. Gerard recordou de um Senhor elegante, alto, de nome Didi, que certa vez  estava acompanhado por um francês chamado Saint-Exupéry. Naquela ocasião eles marcaram uma visita ao baobá local. Alguns poetas recitavam versos, discutiam filosofia e sobre a vida. Gerard ainda lembra de um Senhor com um paletó cor de goiaba entornando um chope e sendo observado por um poeta local, um homem louro, de olhos azuis, de origem holandesa, chamado Lula, que escreveu alguns versos e os mostrou ao seu companheiro de mesa, que se chamava Lamare. Este ultimo era um Senhor que contava estórias, casos e declamava versos que ele denominava como glosas fesceninas. Havia pintores que lá montavam o seu cavalete e começavam a pintar. As pinturas eram espetaculares, os motivos principais variavam de marinhas a rostos humanos. Os nomes ainda lembrados por Gerard são Navarro, Marinho e Grey. Alguns frequentadores levavam as obras primas para as suas cidades e aos seus tempos. Um fato estranho aconteceu que marcou Gerard foi a concretização da visita ao baobá. De repente Saint-Exupéry, Didi, Lula, Lamare e o próprio Gerard foram deslocados num passe de mágica até o baobá. Muito admirado, o francês confessou que tinha planos para escrever alguma coisa sobre aquela árvore gigantesca. Após algum tempo, como num delírio, todos estavam de volta ao bar e continuaram a longa conversa que acabou com os primeiros raios de sol. Aquele encontro com Gerard me deixou muito excitado e apontou para que eu escrevesse algo sobre aquela descrição fantástica. Pouco tempo depois soube que Gerard passou muito tempo num sanatório para loucos, fato que não diminuiu a minha credulidade em tudo o que ouvi. Aquele depoimento explicava a insistência do mestre Didi em afirmar que Saint-Exupéry esteve na nossa cidade, apesar da negativa de muita gente. Um certo dia apanhei Gerard e fomos à área da Cidade onde estava o Uonder Bar. O bairro estava localizado na parte antiga da cidade, as margens do Rio Grande. O casario na sua maior parte estava bastante deteriorado. Numa rua do bairro, paramos o carro e descemos em direção a um casarão abandonado. Lá entramos e chegamos a sua única porta. Gerard a abriu e cumprimentou o dono, Sr. Tyrone. Fui apresentado e entramos naquele ambiente, intacto, mágico, admirável, decorado e com muitas mesas postas e prontas para servir, no entanto, ainda sem clientes. Sentei numa mesa e Gerard apareceu vestido com a sua roupa de trabalho, uma calça preta camisa branca e um avental com o nome do bar.