UMA NOITE EM ACAR

 

 

A estrada que dá acesso ao território mágico de Acar está assentada entre enormes rochedos, é um passeio por gigantescas cordilheiras, como anuncia a propaganda de um restaurante, tendo-se ali uma paisagem privilegiada. Este local lúdico está situado em qualquer lugar do nosso planeta, incluindo aí, diversos locais como os Alpes e o nordeste brasileiro. Da cidade encantada se pode admirar uma paisagem com serras e montanhas ao seu redor de formatos e contornos variados. O seu casario possui uma beleza ímpar, realçando a riqueza da região em tempos idos com os laticínios e a cultura do algodão. A arquitetura valoriza pequenos detalhes, conferindo uma notável peculiaridade a cada uma das suas casas. A população da cidade está praticamente congelada há décadas em função da permanente migração dos seus jovens em busca de novos horizontes. A cidade apresenta uma vocação extraordinária para a música, realçada na banda municipal composta por dezenas de instrumentos de corda, de percussão e de sopro, sendo, magistralmente executados a cada apresentação. Muitos dos seus moradores têm habilidade de tocar algum instrumento ou cantar, o que faz de cada casa um local pronto para uma cantoria. Músicos e boêmios se espalham pela cidade para buscar energia e inspiração. Os parentes e amigos dos moradores fazem a cidade fervilhar numa celebração inigualável notadamente nas festas tradicionais e férias. Costumava frequentar Acar para recarregar minhas baterias e buscar um pouco de alegria para minha vida. Certa feita eu e alguns amigos fomos ao Hotel situado às margens da famosa barragem denominada de Chokers. Do seu Bar e Restaurante, situado numa parte alta, podia-se admirar as majestosas serras cercando as águas da barragem, uma visão fantástica. Depois de muita bebida, soubemos que naquela noite iria haver a apresentação de um músico que iria executar música latina. Resolvemos ficar por lá e assistir ao evento. Aos poucos foi chegando muita gente. Uma lua cheia fabulosa se levantava no céu e conferia às águas tons prateados. A música que iniciou o espetáculo foi “La Negra Tomasa”, do músico cubano Compay Segundo. Ao assistir o desempenho do artista, tive a impressão de estar assistindo ao próprio autor da bela canção, apesar do cantor ter sido apresentado com outro nome. Disse a Jeff, que não me respondeu, que aquele artista era o próprio Compay Segundo. Assim, por quase duas horas foram apresentados grandes sucessos da música latina e cubana. A cada número eram arrancadas calorosas palmas da plateia. No final do show, o astro da noite foi levado a casa do amigo Jeff. Todos foram acomodados numa grande mesa situada num salão nos fundos da residência. Do teto do salão desciam dois belos lustres com várias lâmpadas. As paredes eram decoradas, de um lado por belos quadros, e do outro por instrumentos musicais e fotografias de frequentadores acontecidas ao longo dos últimos anos. Em pouco tempo ali estavam os mestres locais da música, com destaque para o mestre Gata, Mozart, Jacob, Abner, dentre outros. O músico convidado anunciou em espanhol que ali ele seria um ouvinte da arte musical local, sendo perfeitamente entendido por todos. Para iniciar a seresta, Gata cantou a inesquecível música intitulada Evocação, e continuou a cantar outras canções do seu repertório. Jacob com o seu violão sete cordas tocou sucessos da MPB de Pixiguinha, Garoto e outros. Mozart com o seu vozeirão cantou sucessos da velhíssima guarda. Gata ainda cantou algumas músicas autorais, sendo aplaudido por todos. Lá para perto do amanhecer, aproveitando o cansaço de todos cantei Sábado em Copacabana do grande Dorival Caymi. Jeff aproveitando a deixa cantou Dolores Sierra, imortalizada por Nelson Gonçalves. Os primeiros raios do sol saíram e todos foram sumindo como num passe de mágica. Pouco tempo depois, eu estava dormindo em sono profundo. Acordei lá para as dez da manhã e fui tomar água. Lá encontrei Jeff se queixando de uma baita ressaca. Não havia mais alguém na casa além de nós dois. Ouvi algo relativo a noite fantástica, embora sem a clareza dos fatos acontecidos. Na parede de fotografias de frequentadores do salão, surgiu do nada uma foto de Compay Segundo segurando um charuto entre os dedos e sorrindo. Jeff se mostrou surpreso com a fotografia, porém imaginou que ela poderia ter sido ali pendurada por seu pai. Vale lembrar que aquela foto se mantém lá até hoje. Lá para perto do meio dia, Gata chegou e espalhou as letras de suas músicas favoritas na mesa e começa a cantar tocando o seu violão. Eu perguntei se ele se lembrava da noite passada, a resposta foi que ele dormiu como um anjo, embora tivesse sonhado bastante com uma festa onde muita gente cantava, inclusive, um cantor cubano. Era melhor esquecer o que houve e iniciar uma nova cantoria. Aos poucos os amigos foram chegando e a farra durou até o anoitecer.