PRAIA DO MEL
Desde muito jovem ouvi falar da Praia do Mel como um local repleto de paz e de belezas naturais. Naquele tempo se iniciava o desbravamento daquele território pelos primeiros aventureiros sedentos de conhecer paragens próprias ao ideal do convívio com a natureza. Ainda, não se ouvia falar em turismo, mas, já se espalhava mundo afora os encantos daquela praia, um belo litoral, águas mornas, morros coloridos, dunas itinerantes e um povo acolhedor. Foi nesse contexto que para lá me dirigi nos tempos da faculdade. Na chegada me instalei numa das duas pousadas existentes, a Pousada da Duquinha, um lugar simples onde era servido um farto café da manhã. Os quartos tinham o essencial, uma cama, rede de dormir, uma cômoda e uma vista do mar através de uma janela de vidro. Na tarde do primeiro dia saí e fui explorar o local. Em uma curta caminhada conheci o vilarejo formado a beira mar tendo como largura uns quatro quarteirões compostos na sua maioria por residências de moradores, uma praça, Igreja, bares e comércio. O morro do farol era um dos locais mais badalados, era ali que muita gente se reunia para ver o por do sol. No fim da tarde, fui caminhando até lá. Logo que cheguei me deparei com algumas pessoas. A maioria era jovem. Reconheci de longe um dos estudantes da faculdade onde estudava. Também, havia algumas pessoas mais velhas, acho que deviam estar perto dos quarenta anos. Um deles era alto, magro, usava uma barba crescida e apresentava cabelos claros ondulados caídos no ombro. A sua roupa era de cor branca e de algodão cru. Ao seu lado estava uma moça com cabelos vermelhos ondulados vestindo uma roupa de algodão com detalhes de flores. O sol começou a baixar e todos ficaram agitados. As cores do crepúsculo inebriavam a minha visão, e, parece que a de todos que estavam ali. Era um espetáculo de uma beleza estonteante. O sol dourado descia lentamente conferindo uma cor avermelhada ao céu. Em pouco tempo, o astro rei desapareceu completamente por trás de uma fina nuvem. Naquele momento todos bateram palmas e esperaram a noite se estabelecer com o aparecimento das primeiras estrelas. A estrela dalva brilhava de forma especial, parecendo dar as boas vindas a noite. Os participantes da homenagem ao sol se juntaram num grande circulo tendo ao centro um violão bem tocado por um músico nativo de nome Rai. A cantoria durou algum tempo e aos poucos o pessoal foi se levantando e seguindo em direção à praça da pequena aldeia. Havia a Igreja Matriz numa das pontas da praça. As suas laterais estavam repletas de pequenos bares, restaurantes, comércio e algumas residências. Passeando pelos bares, observei algumas curiosidades que me chamaram a atenção, entre elas, a presença de tocadores de violão nos bares cantando músicas da época. As mesas dos bares estavam cheias de rapazes e moças a se divertirem. Mais adiante havia o bar do reggae, onde aquele estilo de música era tocado e os frequentadores dançavam movidos pelo balanço daquele ritmo animador. Como estava sozinho, sentei-me no bar do gringo numa mesinha no canto do estabelecimento, quase na calçada. Pedi uma bebida e fiquei observando o movimento. Para a minha surpresa, o dono de bar me atendeu e começamos uma conversa. Soube que ele era um italiano de nome Aldo e que não sabia ao certo de como aportou naquela praia. Lembra somente da empresa na qual trabalhava e o serviço que veio fazer ali, a tarefa de coletar amostras da areia de cor avermelhada, destacou que era para saber se havia ali algum mineral raro. O meu colega de faculdade de longe me reconheceu, chegou à mesa e começamos um papo. Entre muita conversa, falamos da origem do nome da Praia do Mel. O nome foi decorrente da sua farta água doce que atraia navegadores para ali abastecerem seus navios. A água era como mel, diziam os relatos mais antigos. As águas brotavam do pé das dunas vermelhas e se acumulavam em poças ao sol causando uma ilusão de ótica para quem estava em alto mar. De longe se via uma cachoeira de água caindo das dunas da beira mar. A lenda reza que a descoberta daquelas águas aconteceu quando um navegador a deriva viu do alto mar uma cachoeira e para lá se dirigiu e salvou a sua tripulação. O mais curioso daquele relato foi que ficaram na praia membros das embarcações que ali ancoraram em busca de água. Talvez, a lenda tenha sido criada em função da enorme atração exercida pela Praia do Mel a quem lá chegasse. Falava-se na Praia do Mel que quem bebesse da sua água jamais sairia dali. Meu colega se despediu e eu continuei no Bar do Gringo. Algum tempo depois chegou um rapaz vestindo roupas estranhas com um velho violão. Ele se apresentou como Castelar, um Português que, curiosamente, também, não se lembrava bem de como havia ali chegado. Do seu violão saiu um repertório de músicas antigas, sinceramente, não conhecia as músicas tocadas naquela hora. Em pouco tempo apareceram algumas pessoas, entre elas, homens e mulheres, que acompanharam cantando as músicas tocadas pelo músico Lusitano. Fiquei desanimado com aquela performance e sai dali. Em poucos passos estava no bar do reggae, com mesas espalhadas na sua entrada. Na lateral esquerda havia um balcão e nos fundos um espaço para dança. Encostei-me no balcão e fiquei observando os frequentadores. O garçom me atendeu e perguntou o que eu queria. Percebi um forte sotaque e pedi uma cerveja. Imediatamente fui servido e questionado sobre de onde eu era. Disse que vim motivado pela boa fama daquela praia. No decorrer da conversa soube que o garçom era jamaicano e, curiosamente, também não sabia ao certo como havia chegado. Outros estrangeiros foram chegando ao bar e se entregaram ao reggae freneticamente. Muitos dos que chegaram usavam cabelos rastafari e apresentavam uma pele bastante queimada pelo sol. Mais tarde, fui para a Pousada descansar. No café da manhã conversei com a senhora Duquinha, dona da pousada, falei da beleza da praia e do alto astral dos seus moradores. Comentei a respeito dos moradores desmemoriados. Para a minha surpresa, soube que Duquinha também não se lembrava de como havia chegado, mas, que tudo estava dando certo. De lá segui para a praia e entrei no barracão do Chico. Logo que sentei fui abordado por um nativo que parecia estar bêbado, perguntando seu era francês ou inglês, eu respondi que era um simples conterrâneo. Seu Chico, o dono do local, chegou e mandou o bêbado dar uma volta. Pedi uma água de coco e fui logo atendido. Seu Chico me deu as boas vindas e após alguma conversa confessou que estava preocupado com o futuro da Praia do Mel. Havia muita gente visitando aquele local, fato que viria a causar o desaparecimento da magia ali reinante. Continuou falando que o crescimento da cidade começava a causar impacto nas águas nascentes nas dunas. De repente, o meu colega de faculdade apareceu e me convidou para ir a fonte do mel para que eu conhecesse o gosto da famosa água daquela praia. Fui com ele caminhando e, depois de dobrarmos uma esquina delimitada por uma falésia, chegamos à fonte. Foi uma visão especial, a água brotava do pé da duna e se acumulava em poças transparentes. Havia muita gente bebendo aquela água e dando pulos de alegria, alguns dançavam motivados por uma melodia imaginária. Confesso que fiquei assustado com todo aquele movimento. Meu colega se esbaldou com tanta água que bebeu. Eu bebi um pouco de água só para me confraternizar com o pessoal. No caminho de volta, meu colega disse que iria ficar ali para sempre, pois foi convidado para trabalhar num barco de pesca. O mais estranho foi a sua decisão de não sair dali para nada. Depois de mais dois dias, resolvi ir embora, e, confesso, que nunca mais voltei. Hoje a Praia do Mel é um dos pontos turísticos do estado. Lembrei-me da preocupação de Chico do Barracão com o futuro daquele aprazível local, depois de impactado pelo progresso. Chego a temer pelo futuro dos seus moradores, frágeis criaturas alimentadas por uma água com sabor de mel, parecendo sem futuro e sem passado, apenas vivendo a ilusão de um paraíso eterno cercado pelo mar e dunas vermelhas.