OS BONECOS DE VALDO
Desde a estória de Pinóquio que se ouve falar em bonecos que ganham vida. Na minha pequena cidade conheço o caso do relojoeiro Lucho que tem algumas das suas criações animadas no seu universo pessoal. Lembro os bonecos Gepa, contador de estórias, Joca Bravo, trapezista e Gapato, um engenheiro maluquinho, os quais conheci inanimados e com vida própria. Estes bonecos dão sentido ao solitário senhor Lucho. Nesse tema, inicio essa narração falando de um casal e dois filhos adolescentes que conheci numa apresentação de Teatro de Fantoches. O marido, um jovem senhor beirando os quarenta anos chamado Valdo, ganhava a vida como marceneiro, mas criava marionetes e mamulengos para a sua Companhia de Teatro de Fantoches conhecida como Sonho Real. A sua esposa chamada Maria, uma jovem senhora de cabelos encaracolados castanhos claros e os filhos João e Dalvinha, faziam parte da Companhia e animavam os bonecos daquela trupe. O encontro aconteceu quando passeava no centro da cidade e me deparei com o espetáculo dos fantoches. Parei a poucos metros do local da apresentação e, observei do alto de uma cortina, alguns bonecos do tipo mamulengo, sendo manipulados pelo braço do artista, em plena ação. O enredo da apresentação seguia uma cena medieval com um cenário composto por um castelo com muitas torres. Na cena havia quatro mamulengos, eram uma dama e três cavalheiros. A cena cômica apresentava os cavalheiros cortejando a dama sem obter sucesso, com muitas piadas e empurrões. Após o encerramento dos mamulengos, começou a apresentação dos bonecos animados por cordões pendurados a uma cruz de madeira que lhes davam movimento. A estória das marionetes naquela hora foi a conversa entre um menino e um senhor com barbas longas. Naquela encenação a condição dos bonecos era discutida. O texto versava sobre o questionamento do boneco menino a respeito dele não ter vida própria. O senhor explicava que o mundo dos bonecos era perfeito, não havia tristeza, dor e paixões. Mas, o menino boneco insistia que a vida própria era maior do que aquilo tudo, bastava ver a alegria no rosto do pessoal da plateia. Depois de muita conversa, o senhor boneco bateu no menino e lhe mandou dormir. A cena terminou com o senhor dizendo que não tinha mais argumentos. Os bonecos foram colocados numa posição de descanso e os animadores Valdo, Maria, João e Dalvinha saíram do palco improvisado e foram para a frente da cortina xadrez que montava o Teatro de Fantoches. O pequeno público ali presente bateu muitas palmas até que o mestre Valdo pediu a palavra e agradeceu a atenção de todos, explicou que aquele pequeno espetáculo era uma forma de manter viva a tradição da cultura de bonecos espalhada pelo mundo afora. Ele encerrou dizendo que aprendeu aquela arte como seus ancestrais italianos. O palco e os bonecos foram colocados na parte traseira de uma camionete. Na partida do carro tive a impressão de que um dos bonecos me deu adeus. Retribui o cumprimento ao boneco simpático. Fui a Relojoaria do amigo Lucho contar aquela novidade e lá vi os seus bonecos favoritos nos seus locais de costume. Cumprimentei um a um pelos seus nomes Gapato, Gepa e Joca Bravo. Contei a Lucho a respeito do Teatro de Fantoches Sonho real, destaquei a beleza do espetáculo e da performance dos bonecos e dos seus manipuladores, também lamentei como se dá pouca importância a essa arte. Lucho disse que poderia ajudar aquele grupo com as suas criações. Comentou que o boneco engenheiro Gapato poderia construir um teatro itinerante. Lucho sugeriu que seria interessante conhecer aquela trupe pessoalmente. Assim, fomos eu e Lucho e os seus bonecos conhecer o pessoal do grupo de Teatro de Fantoches Sonho Real. Entramos na residência onde eles moravam. Era uma casa ampla de estilo europeu. Na parte de trás havia um galpão onde funcionava uma marcenaria. Entramos eu e Lucho na residência. Eu segurava o boneco Gapato e Lucho carregava nos braços o boneco Gepa e Joca Bravo no bolso. Os bonecos foram apresentados para que Valdo conhecesse a criação de Lucho, que logo parabenizou pelos belos exemplares. Fomos convidados por Valdo para conhecer a sua marcenaria. Ele nos mostrou móveis inacabados belíssimos, eram cadeiras, cômodas, cristaleiras e outras peças, e, nos perguntou se queríamos algum móvel especial. Eu lhe disse que queríamos conhecer o seu Teatro de Fantoches. Avançamos um pouco mais e entramos no quarto dos bonecos, como Valdo o chamou. Ali estavam algumas dezenas de bonecos. A maioria foi sua criação, e, alguns eram herança dos seus antepassados italianos. Havia meninos, meninas, senhoras, senhores, duendes, rapazes e moças bonitas, ratos, cães, gatos, cavalos e muito mais. Lucho ficou admirado com toda a quantidade e qualidade daquelas obras de arte. Passamos mais algum tempo e fomos embora. Deixei Lucho e os bonecos na Relojoaria e fui para casa. Algum tempo voltei à Relojoaria e reconheci alguns bonecos de Valdo ali junto aos bonecos preferidos de Lucho. Procurei saber das novidades e soube que alguns bonecos especiais estavam frequentando a sua Relojoaria. Um deles era um velhinho italiano criador de bonecos. Valdo foi convidado por Lucho para usar aquele espaço para as apresentações do Teatro de Fantoches. Assim, de tempos em tempos a Relojoaria era animada por um mundo de fantasia aproveitado pelos seus frequentadores. Lucho se encontrou com um mundo onde a fantasia e a realidade se cruzam como nos tempos dos contos de fadas e seus famosos bonecos.