O FAZEDOR DE SONHOS
Nino era um rapaz de vinte e poucos anos e ganhava a vida vendendo sonhos. Ele aprendeu a arte de fazer doces numa padaria onde trabalhou por algum tempo. A padaria era de propriedade de um imigrante alemão, que antes de morrer lhe deu um caderno com as receitas de um doce criado por um antepassado seu, que, segundo contava, trocou o exército onde disparava balas de canhões, por uma padaria, onde ele poderia fazer bolas de canhão de felicidade, usando a massa que sobrava da padaria. As formas do novo doce eram redondinhas e foi pensado diversos recheios. A receita do antepassado do seu antigo chefe consistia em fritar bolas de massa doces ao invés de levá-las ao forno. O nome original do doce foi Bola de Berlim, mas passou a ter outros nomes pelo mundo. Nos Estados Unidos passou a ser chamado de Donut, na Áustria de Bomba e na Itália de Krapfen. No Brasil, ganhou o nome de Sonho. Embora o doce original inicialmente introduzido no Brasil fosse feito de frutas vermelhas, ele aqui passou a ter um recheio de creme de baunilha e polvilhado com açúcar. Com o tempo passou a ganhar outros recheios como doce de leite, goiabada, geleias diversas, etc. As receitas dos sonhos descritas no caderno foram adaptadas de acordo com os recheios próprios do país. Para vender os seus doces, Nino apresentava os seus sonhos nas prateleiras montadas em um carrinho de pipocas, que era chamado carinhosamente por ele de carrinho dos sonhos. Os sabores tinham o nome de sonhos reais e eram separados nas prateleiras. Essa ideia foi decorrente do caderno de receitas, que relatava essa possibilidade para os seus doces feitos com ingredientes diferentes. Como o texto manuscrito estava em alemão, Nino passou a utilizar a ideia como estratégia de vendas, e vendia os seus sonhos com nomes de sonhos reais, que seriam sonhados por quem os comesse. Com base nessa promessa, havia uma plaquinha no carrinho como os seguintes sabores: paz, amor, aventura, viagem, desejo impossível e dinheiro. De uma maneira geral, todos os sonhos eram vendidos igualmente. Todavia, havia compradores que levavam os doces tanto pelo sabor quanto para terem o sonho almejado. Claro que aquilo era uma brincadeira. Era uma forma inteligente de conquistar clientela. Embora, apesar de não ser o objetivo dos doces, havia muitos clientes que realmente tinham sonhos condizentes com o prometido. Era uma diversão quando chegava alguém e relatava que na noite passada havia sonhado com a sua futura esposa. Outro dizia que havia sonhado ganhando na loteria. Alguém contou que passeou por uma praça na Europa e, assim por diante. Continuando a ler o caderno de receitas, com alguma dificuldade, pois este estava escrito em alemão, Nino alcançou algumas receitas de doces que se relacionavam aos sonhos. Com muita dificuldade, foram conseguidos todos os ingredientes do sonho paz. Assim, o doce foi feito, observando todo o passo a passo. A prova do seu efeito foi feita pelo próprio doceiro, que ao longo do sonho entrou num estado de paz espiritual nunca dantes alcançada. O sonho foi repleto de cenários de montanhas, rios, lagos, animais passeando, e, para completar o tema, uma música vinda de uma harpa acompanhou o seu sono. A segunda receita foi de doce de amor. A segunda prova foi feita e o sonho desenrolou apresentando uma paixão fulminante por uma moça desconhecida de traços indianos e vestida com uma túnica branca. No decorrer do sonho aconteceu um passeio pela Índia tendo o Taj Mahal como cenário de fundo. As próximas receitas foram feitas e experimentadas, tendo todas resultado positivo em relação a promessa do doce. Sim, o doce sonho tem uma razão de ter esse nome, pensou alto. Uma tempestade de pensamentos passou pela cabeça de Nino. Os doces feitos a partir do caderno de receitas eram muito valiosos, pois realmente iriam levar os seus clientes a uma experiência indescritível. Há de ressaltar-se, que as diferenças entre os sonhos feitos a partir das antigas receitas eram marcantes. O preço a ser cobrado por unidade seria muito maior do que o doce normal. Com toda essa dúvida, Nino preparou algumas unidades da nova receita e os separou numa prateleira isolada do seu carrinho, identificando-as como sonhos especiais. No final do dia, todos os novos doces sobraram. Ninguém quis experimentar a novidade. Alguns dias se seguiram e a situação continuou a mesma. Nino desistiu da ideia dos seus doces especiais. A vida voltou a normalidade. Os clientes sempre voltavam comentando sobre os sonhos que haviam tido comendo os diferentes tipos de doces desde sempre vendidos. Nino desistiu da ideia de fazer as novas receitas, os antigos doces já eram um sonho e fazia a alegria de muita gente.