O FAROL DA INFÂNCIA

Ainda hoje me lembro do facho de luz do farol a cortar os céus da cidade em que cresci. Já faz algumas décadas e a cidade era menos iluminada do que hoje fazendo destacar aquele raio que cortava a noite. Na minha mente de criança aquilo era um espetáculo de primeira grandeza, realmente me dava gosto contemplar aquele show, que ficava especialmente mais interessante quando a luz refletia nas nuvens criando formas inusitadas. Na tenra idade imaginava que o facho de luz fosse um meio de transporte para pessoas e objetos diversos. Chegava a imaginar um raio de luz vindo do céu para a terra como um tipo de transporte. Às vezes pensava que o raio de luz emitido pelo farol transportasse cápsulas com pessoas no seu interior. Outras vezes imaginava o transporte de uma massa desconexa que se materializava ao tocar o solo. Eram realmente devaneios que me acompanharam por algum tempo na minha infância. Com o passar dos anos, a cidade foi crescendo e ficando mais iluminada, a luz do farol sumiu. Hoje, só se pode vê-la nas suas proximidades, o que continua a ser um belo espetáculo sem a magia da infância a criar as mais brilhantes fantasias.  Já na adolescência, estudando, ouvi falar da dualidade da luz que pode se comportar como partícula e como onda.  Esse novo conhecimento me fez lembrar da infância e o transporte de pessoas por um raio de luz. O farol era uma construção antiga, era cheio de mistérios e estórias fantásticas. Havia uma lenda que versava sobre supostos aparecimentos de vultos humanos no compartimento da poderosa lâmpada do farol, fato que atiçava as minhas antigas crenças. Algumas pessoas diziam que viam constantemente esses seres aparecendo e desaparecendo, existindo até fotografias daquelas aparições. O que seria aquilo, talvez ilusões de ótica. Uma das fotografias mais conhecidas apresentava um ser usando capacete e uma espécie de vestido que chegava até os seus pés. Uma das explicações das aparições fantasmagóricas era a de que uma embarcação naufragou naquela costa, e os marujos desesperadamente nadaram até o farol. Os poucos sobreviventes numa atitude de desespero subiram até o seu topo em busca de alguma ajuda e nada conseguiram. Como estavam muito cansados, perderam as forças na sala da lâmpada e lá morreram em decorrência do enorme esforço da subida íngreme. Assim, o que se vê são os fantasmas dos náufragos, segundo a crendice pipular. Depois, conhecendo relatos sobre abduções, conheci casos em que as pessoas eram transportadas para os discos voadores em raios de luz, fato que aguçou minha curiosidade sobre esse tema. Também, aprendi  a respeito do fenômeno chamado de Quantum entanglement (entrelaçamento quântico) que permite que dois ou mais objetos estejam tão ligados que não se pode considerar um objeto sem citar o outro. Qualquer alteração em um deles irá afetar o outro sem considerar a distância que eles estejam. Será que o transporte num feixe de luz seria a concretização deste fenômeno? Seria o que imaginava, uma forma de teletransporte? Imagino que sim. Mas, voltando a realidade cotidiana e a minha fantasia infantil, o transporte num raio de luz parece uma coisa impossível, mas, a curiosidade me fez buscar uma resposta para aquela questão não resolvida na minha vida. Com as lembranças dos tempos de infância aflorando, resolvi visitar o farol de perto. Aproveitei o sábado e fiz a viagem até lá. Tive a sorte de encontrá-lo aberto para visitações. Ele era enorme, tinha uns quarenta metros de altura. Na entrada se via logo a escada em espiral com 180 degraus. Subimos num grupo formado por jovens de um colégio e eu o único adulto. Na subida ouvíamos a história da construção do farol, seu inicio, duração, potência da lanterna, o alcance luminoso e o intervalo dos lampejos de luz. Finalmente, chegamos a sala superior, vimos poderosas lâmpadas formando o que o nosso guia chamava de lanterna. A vista era espetacular, pois, este era construído em cima de um penhasco com uns cem metros de altura, dessa forma, conferindo uma visão maravilhosa de toda a costa marítima. Podia-se ver alguns navios em alto mar. Com a curiosidade tomando conta de mim, perguntei ao guia a respeito das lendas e dos acontecimentos estranhos ligados ao farol. O guia, que era um jovem senhor de uns quarenta anos, de cabelo grisalho e usando óculos redondos dourados, respondeu que eram muitos os temas. Não era para menos, comentou. Nas noites escuras o farol assume um aspecto que varia do belo ao assustador. Nas noites de lua cheia, a pintura clara da edificação reflete a luz da lua, também, conferindo um aspecto mágico aquela estrutura. O guia comentou a respeito de estranhas aparições de objetos voadores que ficavam parados na altura da lanterna, recebendo a luz do farol, como se estivessem reabastecendo. Por fim, encerrou-se a visita e descemos os 180 degraus, dessa vez, uma atividade física mais fácil. Agradeci a gentileza do guia e perguntei-lhe se havia visitas à noite. Ele respondeu que era terminantemente proibida qualquer visita fora do horário de expediente. Resolvi ficar para ver o farol na noite. Cheguei de volta às proximidades do farol às sete horas, parei o carro e armei minha máquina fotográfica apontando as objetivas para a sua lanterna. Passei naquela posição umas três horas e a olho nu não vi nada a não ser os belos raios de luz, devidamente fotografados. Ao verificar as fotos digitais, registrei um vulto na sala da lanterna e entre os raios de luz um objeto voador circular. Essas fotos estão guardadas e são as minhas provas dos acontecimentos fantásticos do farol que iluminou a minha infância. O transporte em raios de luz ainda pertence a minha imaginação e a ficção cientifica. Quem sabe se isso não acontece no farol?