MINHA LUA ESPECIAL

Posso eu falar em outono, neste litoral onde o sol é o eterno rei e a brisa marinha cria um clima agradável balançando os coqueiros na paisagem litorânea. Tudo parece um eterno verão cheio de vida, calores, amores e tédio, nesta cidade ancorada em qualquer ponto do oceano atlântico. Desta varanda, sentado em uma cadeira de balanço de palhinha vejo mais um fim de tarde com direito a uma lua cheia nascente parecida com aquela dos meus sonhos, dourada, brilhante, talhada de símbolos que fui criando desde a infância. Vejo na lua desenhos fantásticos desde o da Virgem Maria segurando o menino Jesus como também São Jorge montado em seu cavalo lutando contra um imaginário dragão. A noite vai vencendo o dia, as luzes da lua iluminam o mar e as nuvens vão criando um quadro fantástico que vejo em telas de geniais pintores da minha terra. O vento vai esfriando chegando a incomodar um pouco. É hora de um pulôver e uma bebida quente. Aqueço uma dose de conhaque com a mão apoiando a taça e bebo um pouco daquele néctar tão sintonizado com a paisagem da noite no mar que está a minha frente. A lua vai subindo e aos poucos fica acima no firmamento, já sem aquele encanto das suas primeiras horas, dá para observar as estrelas que ficam ofuscadas pelo brilho do nosso satélite natural. É hora de dormir, o efeito do álcool já me convida para mais uma noite de sono na qual espero poder reencontrar minha lua pessoal. Esta lua dos sonhos é maior do que a mais brilhante lua real e flutua no horizonte fazendo movimentos de sobe e desce. No seu corpo o meu astro pessoal tem sinais traçados em sua circunferência parecendo os símbolos do zodíaco, dando uma composição toda especial aquela visão fantasiosa. Nesta noite imaginária o céu se transforma em um conjunto de muitas cores variando entre o violeta, salmão e amarelo ouro, esta ultima predominando no cenário lúdico. O barulho do mar soa como uma sinfonia que aos poucos me leva a um sono profundo. Na manha seguinte acordo juntamente com o nascer do sol e vou a varanda apreciar o belo espetáculo. Infelizmente não sonhei com a minha lua, mas, como consolo, mais tarde terei outro luar real. O sol da manhã invade as nuvens deixando os seus raios visíveis riscando o céu de muitas nuvens brancas que formam imagens a escolha da minha imaginação, é um cenário cinematográfico. A brisa da manhã é generosa e me envolve, dando-me uma sensação de conforto, como se estivesse envolvido por lençóis etéreos. É hora de tomar um banho, trocar a roupa e seguir para a vida normal, onde certamente não serei tão mimado como sou nos momentos de descanso. O calor do dia começa a se firmar e o dia vai imprimindo o seu ritmo. Na estrada para a cidade o trânsito aos poucos vai ficando pior. Agora o cenário que vejo são veículos, estrada e prédios. Começo a ter uma sensação irracional de raiva por estar num trânsito tão impiedoso, mas, é inútil. A música que toca no rádio fala de um velho calção de banho, um dia pra vadiar. Parece uma brincadeira feita comigo naquele momento. Finalmente chego ao trabalho e tenho um dia normal. No almoço repito a rotina, hoje é dia de feijoada, vou a minha cantina favorita e me esbaldo com tão deliciosa iguaria. Na tarde sinto o peso dos feijões e acompanhamentos, no entanto, o tempo passa e já é hora de voltar. Na volta tudo vai da maneira rotineira, engarrafamento, buzinas, música falando em carinhos do motor. No início da noite estou na minha casa em frente ao mar. É um privilégio ter este pedacinho do atlântico somente para mim. Hoje resolvi esquecer a lua e ver a insensível televisão. É bom de vez em quando ter noticias do mundo. Entretanto, mais uma vez escutei noticias sobre corrupção, violência, crimes e catástrofes, incluindo terremotos, furacões, tornados e tsunamis, essa ultima me apavorou. Será que esta bela praia vai um dia se voltar contra mim. Não, este mar é o meu melhor amigo. Isto não pode acontecer neste trópico abençoado por Deus. É melhor sair e ver a lua pairando sobre minha cabeça. Decidi andar pela praia nesta bela noite enluarada. Fiz uma rápida análise de um passeio à noite na praia, discorrendo sobre as possibilidades desta empreitada. Será que serei assaltado, será que pegarei um resfriado, será que... É melhor correr o risco, pois, o tempo está passando depressa e daqui a pouco é hora do sono. Coloquei o meu tênis e um moletom e fui caminhar na praia. O mar calmo estava espelhando o brilho da lua, conferindo-lhe uma cor prateada. A areia dura facilitava a caminhada e fui assim por alguns minutos até que uma nuvem foi tomando conta do céu e em pouco começou uma neblina. Era hora de voltar para casa. Cheguei à casa alguns minutos depois completamente molhado e espirrando. Tomei um banho e me preparei para mais uma noite de sono. Hoje sonharia com a minha lua, tinha certeza. Na manhã seguinte despertei com o barulho do despertador, sentindo-me muito mal. Tinha apanhado um baita resfriado com a neblina da noite passada, e, mais, não sonhei com a minha lua. Naquela manhã fiquei em casa me recuperando da doença inesperada. Aproveitei para fazer um balanço da minha vida. Comecei a analisar minha vida desde a infância e tive saudade daquele tempo onde vivia em permanente estado de êxtase. Comecei a lembrar-me da mais tenra infância, da casa onde morava, do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos e de um ente que me visitava às noites, antes do meu sono, um ser prateado que emanava muita paz. Será que era fantasia, certamente. Também me lembrei nesta seara de um objeto voador que somente eu vi passando sobre o céu da rua em que eu morava. Mais tarde achei algo parecido na série guerra nas estrelas. Adentrei neste caminho de lembranças na adolescência, nos tempos de universidade e depois na vida profissional. Lembrei-me dos relacionamentos e das mulheres a quem amei. Procurei driblar as mágoas e sonhar acordado com tempos felizes. Lembrei do amuleto que guardo até os dias de hoje e que é o meu passaporte para o passado. Tenho certeza que poderei usá-lo como passagem para uma viagem ao tempo. Essa idéia me foi corroborada ao ler o livro de Volta ao Passado, onde a personagem principal volta no tempo usando uma moeda como bilhete de volta para o seu tempo presente. Esse amuleto está guardado no interior de um livro e não sei quando irei utilizá-lo. Recordei-me também dos portais que podia identificar até certa altura da minha vida. Não sei para onde levariam estes portais, mas tinha a plena convicção da sua existência e localização. Hoje não consigo mais vê-los. Este fenômeno não é muito divulgado em assuntos esotéricos, gostaria seriamente de conhecer algo sobre este tema. Outra experiência neste sentido foi a minha separação do corpo físico quando dormia. De repente passeava normalmente pela minha casa até apoiar o braço numa parede e atravessar algo sólido. Acordei assustado com este acontecimento. É, mas é hora de acordar, hoje sou um homem de meia idade que não se dá ao luxo de passar por experiências tão fantásticas. O que aconteceu? Procuro respostas e não as encontro. Acho que a minha experiência de vida me endureceu, transformando-me num cético ou num chato. No entanto, ainda acredito na minha lua especial. Chego a ter memórias desta lua, como se eu já a tivesse visto. Não sei onde. Lembro da minha adolescência, numa praia, admirando o astro dos meus sonhos.  Olho o relógio e vejo que já são duas horas da tarde. Não irei mais ao trabalho naquele dia. Cada vez mais fui me sentindo mais doente até adormecer completamente. De repente despertei flutuando sobre a minha casa. Via tudo de cima. Era uma cena fascinante. Vi o desenho do telhado, a rua, os carros, as árvores. Resolvi descer e fui atravessando o telhado sólido e a laje, até chegar ao quarto onde me vi dormindo enrolado nas cobertas. Deve ser um sonho, pensei. Toquei o chão com os pés e continuei andando. Tentei abrir a porta, mas, a minha mão a atravessou e continuei a minha caminhada e fui até a varanda e percebi que estava anoitecendo. A lua estava nascendo entre nuvens. Fiquei observando até que aquela bola redonda atravessasse as nuvens e aparecesse como nos meus mais antigos sonhos. Era a minha lua, maior, mais dourada, mais brilhante, com sinais em seu corpo, fazendo movimentos de sobe e desce. O astro começou a se encaminhar em minha direção, ficando cada vez maior. Eu saí correndo para encontrá-la e fui atraído como um imã. Sai do chão e continuei flutuando por cima da areia até chegar à praia. Aquela era uma sensação de satisfação e medo. Entretanto, queria chegar até ela. Quanto mais me aproximava, mais sentia calor. Até que o mesmo passou a se tornar insuportável. Neste momento, acordei do transe, muito suado e embaixo das cobertas.  Estava com um sorriso no rosto. Aquele tinha sido um belo sonho. Foi a coisa mais especial que aconteceu comigo nos últimos tempos. Estava bem melhor daquele resfriado. Era hora de ficar bom de verdade. Coloquei uma jaqueta e fui até a varanda. A lua já estava a meia altura e não estava mais cheia. A brisa suave parecia gelo e resolvi entrar para a sala.  Estava só, eu e minhas lembranças, meus sonhos e gripe. Amanhã estarei bom, pensei alto. Na manhã seguinte estava bem melhor e acordei pensando na lua dos meus sonhos, quando a verei novamente? Quem sabe algum dia. Preparei o café da manhã como de sempre, suco de laranja, leite, café solúvel, ovos e presunto. Estava com muita fome, bom presságio para a cura da gripe. Quero ver mais vezes minha lua especial, será que vou vê-la de novo?