CHIMBAU E A SELEÇÃO
O marujo Chimbau na sua juventude se aventurou a ser jogador de futebol. Começou jogando no campo de peladas da Praia da Pontinha, que na verdade era um terreno onde foram colocadas traves nas suas extremidades. Não havia sinalização alguma, mas as partidas de futebol eram espetáculos aproveitados por moradores e veranistas daquela praia. Os jogos eram no domingo, e, dessa forma, acomodavam-se ao redor do campo de futebol improvisado centenas de torcedores que torciam vigorosamente por seus times do coração. O locutor com microfone e uma caixa de som narrava o jogo, e, ainda fazia propaganda de mercadinhos, açougues e do bar Pé do Carcará. O jogo era gravado em fita cassete e guardado para os anais da história dos clubes que eram três: o Pontinha Club, o Praia Club e o Carcará Club. Chimbau se destacava naqueles jogos, sempre com posição destacada fazendo muitos gols. As partidas tinham sempre placares dilatados do tipo 10 a 09, 12 a 05, etc. Um dia uns olheiros dos times de futebol da capital vieram assistir a um dos jogos da Praia da Pontinha em busca de talentos desconhecidos. Naquele dia Chimbau estava inspirado e fez alguns gols espetaculares, como o gol feito a partir da pequena área do seu time, outro a partir de uma arrancada fulminante driblando todos os adversários, inclusive o goleiro, fazendo um gol com um chute que furou a rede, e por fim um gol de calcanhar. No final do jogo o olheiro foi dar os parabéns ao artilheiro e prometeu voltar para levá-lo a uma conversa com o dirigente do seu Clube. Algum tempo depois Chimbau foi contratado pelo Clube Carnaúbas e começou a jogar profissionalmente. A partir daí o nosso jogador passou a jogar por todo o estado e pelo país afora. A vida de Chimbau como jogador durou pouco em função da sua pouca técnica, da sua teimosia e de uma irritabilidade sem limites. Eram constantes as brigas e expulsões de campo. Naquele tempo se usava atitudes pouco desportivas no futebol como cotoveladas, mão no rosto, cutucões e puxões indiscretos, sempre respondidos com o soco na cara que deixava os adversários desmaiados. Na volta a Praia da Pontinha, Chimbau se mostrava muito triste e decepcionado com o futebol profissional, mas, passava horas contando suas peripécias nos jogos que participou. Dizia que fez um gol após bater um escanteio e correr para cabecear em direção aos fundos da rede. Falava dos seus banhos de cuia, como ele dizia, ou o chamado lençol, que ele fazia como ninguém. Ele contou que fez um gol após dar dez banhos de cuia em jogadores do time adversário e finalmente chutar a pelota. Contava que fazia gols de bicicleta e até de ombro. As estórias eram tão fantásticas que juntavam curiosos no bar Pé do Carcará para ouvir seus feitos futebolescos. Numa tentativa de animar o craque, todos os clubes de futebol da Praia da pontinha o convidaram para fazer parte dos seus elencos, mas, a resposta era um sonoro não. Ele dizia que não queria mais nada com o futebol. Sua atitude mais radical foi rasgar a sua bola de couro de estimação, assinada por craques nacionais, e transformá-la num chapéu que se tornou a sua marca registrada por toda a vida. Para sobreviver ele passou a ser marujo das lanchas e barcos que levavam e traziam passageiros da Ribeira para a Praia da Pontinha e vice e versa. Todos passaram a ter muita pena da situação de Chimbau, até que um dos seus amigos, o Jovem Ciroca teve uma ideia. Foi-lhe enviada uma carta em nome do treinador da seleção Nacional de futebol. Tudo foi muito bem bolado. A carta foi enviada de uma grande metrópole por ocasião da viagem de outro amigo comum. O texto falava sobre o grande craque de futebol Chimbau, citava algumas de suas passagens mais mirabolantes como o gol de bicicleta do meio do campo e, ainda, ressaltava o seu exemplo de vida. No fim do texto, foi dito que infelizmente a equipe estava toda montada, entretanto, o reconhecimento do seu grande futebol seria um estímulo para todos os jogadores convocados. A assinatura era do técnico da seleção nacional de futebol. Chimbau leu a carta e ficou muito feliz. A novidade foi espalhada para os quatro ventos. Ele contava a boa notícia a quem encontrasse e guardou a carta como um precioso tesouro. Nunca o segredo da autoria da carta foi revelado. Para ele a carta era autêntica. Essa estória saiu dos limites da Praia da Pontinha e passou a ser largamente conhecida até que um jornal local se interessou pelo assunto e fez uma matéria sobre o grande jogador de futebol, suas jogadas espetaculares e gols mirabolantes, e, ainda descreveu a carta elogiosa do técnico da seleção. Num jogo amistoso realizado entre uma seleção de jogadores da capital e a seleção nacional, Chimbau foi colocado para jogar no time da nação e foi convocado pelo treinador que pretensamente lhe enviou a carta. Na conversa prévia o treinador da seleção disse conhecer o excelente futebol do craque local e que era seu admirador. A participação no jogo do nosso craque durou apenas uns quinze minutos, tempo suficiente para sair aplaudido de campo. Todos que o conheciam ficaram surpresos com a sua convocação para o time máximo da Nação. Os amigos ficaram orgulhosos com a brilhante participação de um craque local naquele jogo, mesmo que um simples amistoso. Assim, Chimbau guarda mais esse feito na sua vida de tantas estórias e aventuras de uma figura moldada entre o sonho e a realidade. Uma rica personagem de tantos acontecimentos fantasiosos que inspiram a construção de episódios repletos do que há de maior dentro da vivência e da imaginação humana.