BELA ROMA

 

Passo por uma das avenidas da minha cidade e admiro um terreno baldio no lugar onde funcionava o Restaurante Bela Roma. Uma nostalgia me percorreu as veias ao lembrar com muita clareza do casarão onde funcionou aquele estabelecimento. A edificação tinha dois pavimentos e uma torre compondo um segundo andar. O pavimento térreo tinha uma varanda enorme onde estavam assentadas muitas mesas decoradas com toalhas em xadrez nas cores vermelho e verde. Na parte de dentro havia alguns salões com sofás, cadeiras e mais mesas. As paredes eram decoradas com belos quadros, entre esses alguns de pintores locais, apresentando marinhas, casarios e paisagens interioranas. Havia um piano de cauda num canto esperando para ser tocado. No andar superior havia também muitas mesas. Uma escada helicoidal de cor mogno dava acesso ao primeiro andar. Do primeiro andar a escada continuava em direção a uma torre de pequenas dimensões, com janelas nas suas parades. Não se sabe bem da origem do Bela Roma, sabia-se que apareceu do nada e já era um sucesso. O seu dono era um Italiano oriundo da Sicília chamado Casin que chegou a essa terras não se sabe quando e, aqui, abriu o seu negócio. O Restaurante funcionava ao anoitecer e seguia aberto até o amanhecer. Aos poucos os clientes iam chegando e se acomodando nos diversos ambientes.  Nas primeiras horas da noite todas as mesas já estavam praticamente ocupadas. Na frente da casa havia uma grade de ferro com desenhos de vegetação onde ficava o portão de entrada. Junto à grade havia um jardim com grama e sobre esta algumas pequenas estátuas de duendes e mesas. Ali eu sempre tinha a impressão de estar num espaço maior do que aquele que realmente existia. A chegada dos clientes era sempre festejada pelos garçons que os cumprimentavam e os conduziam às respectivas mesas. As infindáveis noitadas geraram muitas estórias a respeito do Bela Roma. Entre elas, o mistério da torre, local de muita fantasia e de acontecimentos insólitos, como aquele ocorrido  com o poeta Valentim que ali subiu e adormeceu sendo transportado para uma livraria onde leu, segundo o seu testemunho, uma centena de livros de autores não publicados. Aquela livraria, segundo ele, era o limbo das obras literárias. Valentim foi de lá retirado no início da manhã por amigos que ouviram o seu delírio e o levaram para casa. Ainda se fala na presença de duendes ao amanhecer que passavam pelas mesas ocupadas dando beliscões nas pernas dos clientes. Fala-se, que alguém chegou a conversar com uma dessas criaturas elementais que era chamado de Crode. O piano era uma atração à parte. Um dos garçons chamado Manolo começava na madrugada a tocar no piano lindas canções da música nacional e internacional. A participação de todos os presentes era imediata, e, logo aparecia alguém para cantar. As palmas vinham instantaneamente. Conta-se que participaram dessas cantorias artistas famosos. Os mais entusiasmados falam que Nelson Gonçalves, Caubi Peixoto e Ângela Maria deram uma canja. Havia também a lenda versando sobre uma senhora que chegava no início da noite acompanhada do seu cachorrinho, sentava numa mesa de canto e bebia lentamente os drinks preparados pelo barman Jeff. Perto do amanhecer ela deixava o local sozinha completamente rejuvenescida. Os boêmios da província também apareciam por lá e passavam a noite, contando as estórias da vida, declamando poesias e falando da vida alheia. Havia os saraus, com longos depoimentos sobre filmes, livros, autores, artistas, leitura de crônicas e de poesias, e, muito mais. Com relação à gastronomia era um lugar espetacular. Ali era servida toda a cozinha nacional e internacional. Era o recanto predileto daqueles que tinham na madrugada um lugar para se alimentar e aproveitar o ambiente onírico que pairava sobre aquele restaurante. Os frequenadores sempre perguntavam pelo dono, o Sr. Casin. Um dia, um dos garçons comentou que a Bela Roma estava de mudança para outro local. A notícia rapidamente se espalhou pela cidade e foi uma comoção. Os jornais locais não falavam de outra coisa. Infelizmente, o previsto aconteceu e algum tempo depois foi anunciada a última noite do Bela Roma. A noite final foi inesquecível, houve muita animação com muita comida, bebida e tudo que se tinha direito, como acontecimentos inusitados na torre, música, poesia, celebridades, discursos, etc. Com o amanhecer do dia o restaurante fechou. Para a surpresa da cidade, no dia seguinte não havia mais o restaurante. Havia no seu lugar um terreno baldio que está mantido assim até hoje. Um morador da vizinhaça declarou que o Bela Roma simplesmente desapareceu num piscar de olhos após o fechamento das janelas da sua torre.