A CIDADE LIVRE

Alguns hippies no início dos anos 1970 se instalaram numa localidade abandonada da parte antiga da cidade, e, segundo contam, ficaram ali por um bom tempo ocupando o espaço de propriedade do Município. Naquele local foi erguida uma comunidade composta na sua maior parte por casinhas de madeira e algumas de tijolos, onde alguns sonhadores imbuídos da filosofia hippie passaram a residir constituindo, assim, uma sociedade alternativa. Os limites com o resto da cidade se dava por árvores rasteiras que se tornaram uma espécie de muro verde. A entrada era por um portão de duas folhas com uns três metros de largura amarrado em colunas de madeira. Apoiada nas colunas existia uma viga de madeira abaulada com a inscrição Cidade Livre em alto relevo. Conta-se que a comunidade era formada na sua maior parte por jovens inspirados no movimento hippie e lá ficavam a maior parte do tempo. No espaço interno próximo ao portão de entrada havia uma área de chão batido com mesas para venda de artesanato, hortaliças, roupas usadas e outras coisas. Os chamados hippies usavam roupas surradas, coloridas e adereços com motivos de paz. Os homens usavam barbas e cabelos crescidos e as mulheres cabelos longos e ondulados. Ali se buscava o ideal da paz, amor, liberdade e solidariedade. Queria-se construir uma forma de viver dentro desses princípios. Algumas pessoas da cidade frequentavam aquele local em busca de conhecer o ideal que se espalhava pelo mundo e ficava cada vez mais conhecido por meio de festivais de música, filmes, contracultura e ativismo político lutando pelo desarmamento e a harmonia entre os homens. Os mais antiquados achavam que  aquele local era coisa de vagabundos e desocupados. A Cidade Livre sobreviveu por algum tempo até desaparecer sem deixar vestígios. Com o passar do tempo, criaram-se diversas versões para um sumiço daquela proporção. Dentre as estórias que contavam para explicar aquele fato, dizia-se que ela continua existindo naquele local, só que numa dimensão paralela. Outra estória foi a chegada de um navio ao porto da cidade, com a bandeira do movimento hippie no seu mastro, que transportou todos os seus membros para uma vida alternativa em outro país. A municipalidade tratou de remover imediatamente o que havia ali para usar o espaço para outros fins, construindo em seguida uma praça pública, que ficou conhecida como a Praça do Hippie. Ainda, existia outra versão que falava da fusão da Cidade Livre com a maior comunidade hippie existente no mundo, já que se falava que alguns conterrâneos foram vistos ali. Dentro dessa fantasia, e, de acordo com alguns depoimentos, diziam que se podia chegar àquele espaço em determinadas situações. O dono do bar Rock Store, o hoje senhor Cacá Roque me confessou que adentrou aquela comunidade a partir de uma celebração acontecida no seu estabelecimento ao movimento hippie, ocasião na qual foram feitas projeções de filmagens de hippies por todo o mundo, incluindo cenas do festival Woodstock e a apresentação do filme Hair. Ele disse que, de repente, o seu estabelecimento passou a fazer parte da Cidade Livre e quem estava lá participou dessa viagem inesperada por um rápido intervalo de tempo. Tambám, falava-se que, de tempos em tempos, a Cidade Livre aparecia e levava alguns de seus antigos habitantes que aqui ficaram. Do pessoal que habitou a localidade alternativa, existia um remanescente chamado Seu Beleza, a única testemunha viva da sua existência, um  hippie que usava cabelos e barbas crescidos, jeans surrados, sandália de couro e um colar com símbolos de paz. Ele sobrevivia  do artesanato, vendendo as suas criações numa barraquinha na Praça do Hippie. Como a única memória viva daquele período, ele contava a todo instante as estórias acontecidas na comunidade hippie, inclusive, dizia que aquele movimento influenciou outras experiências no país, incluindo uma que gerou diversos artistas de grande sucesso, como, também, recebeu visitantes ilustres. Numa entrevista a um jornal local, Seu Beleza afirmou que a mudança da Cidade Livre aconteceu pela necessidade do movimento em alcançar etapas superiores à vivência na nossa pequena cidade. Questionado como foi a mudança, ele desconversou e disse que eles simplesmente se mudaram. Destacou que não foi embora porque queria ficar na sua cidade e ser um representante daquele movimento pacificador, mas iria embora quando recebesse o chamado. Um certo dia, Seu Beleza montou uma barraquinha na Praça do Hippie e passou a morar lá. Ele comentou para alguns curiosos que estava para se juntar à Cidade Livre. Num jornal de domingo, li que num início de manhã, a Cidade Livre havia retornado por algum tempo à Praça do Hippie, desparecendo em seguida. As testemunhas do evento inusitado foram alguns boêmios que voltavam de uma farra. No dia seguinte àquele fato, Seu Beleza sumiu para sempre e com ele qualquer lembrança da Cidade Livre.  Espero que ele tenha se juntado ao ideal que sempre acreditou e defendeu: uma vida de paz e amor.